Se há uma área artística que não combina com glamour é o mundo dos quadrinhos (incluindo aí design, artes gráficas, ilustração...). Excetuando premiações da área, onde há mesmo badalação, o trabalho em si não envolve nada muito digno de aparecer na Caras. Até porque a grande maioria dos profissionais não acumula e nem ostenta riquezas. Mas, para quem entra ou sonha entrar na área e é leitor hardcore de quadrinhos, os nomes envolvidos nas publicações passam a ter significado, relevância. Assim como passa a ser interessante conhecer os profissionais que admira.
Há alguns anos, estava lecionando para uma oficina de HQ para a Prefeitura de São Paulo, num bairro da periferia da cidade. A turma era bastante interessada e alguns alunos levavam revistas para mostrar e trocar ideias entre si. Havia leitores de trabalhos meus entre os alunos e esses sempre faziam muitas perguntas sobre as publicações, ouvindo as muitas histórias de bastidores de criação que tenho acumulado ao longo da vida.
Havia um em particular que era bastante entusiasmado com o álbum Mangá Tropical, que organizei em 2003. Reuni alguns nomes representativos do mangá brasileiro e o resultado foi um trabalho que, se não vendeu lá grandes coisas, teve boa repercussão na área. Os alunos tinham revistas individuais de alguns autores. Tinha os Combo Rangers do Fabio Yabu, Holy Avenger do Marcelo Cassaro e Erica Awano, o Tsunami, da Denise Akemi, o Street Fighter que fiz com o Arthur Garcia, (aliás, Street Fighter também foi assinado pelo Rodrigo de Goes, Marcelo Cassaro, Silvio Spotti e Erica Awano), os fascículos de cursos de desenho da Denise e do Arthur... Para aqueles alunos, era como se vários artistas admirados estivessem juntos, um "Dream Team". Pelo menos, era assim que alguns viam.
Um desses alunos perguntou se foi muito difícil conseguir que todos aqueles profissionais aceitassem participar do meu projeto. Respondi que foi só dar uns telefonemas e passar alguns e-mails pra fechar a equipe. E isso foi dito com naturalidade, pois são todas pessoas muito acessíveis, alguns com relacionamento de amizade e respeito de vários anos. No embalo, durante a conversa foram aparecendo histórias que tinha vivido com alguns dos participantes, seja em trabalhos anteriores, eventos ou conversas. Aí, um deles soltou "Nossa, ele fala dessas pessoas como se fosse algo normal." Foi quando me dei conta que, para quem vê de fora, e conforme seu grau de interesse no assunto, pode-se criar uma aura de glamour sobre o próprio mercado. O que não deixa de ser curioso, pra quem convive nesse meio complicado como é o da HQ nacional. Como também foi curioso outro caso, ocorrido no ano passado.
No evento SANA 9, acontecido em Fortaleza (CE) em 2009, fui um dos convidados. Teve uma hora em que eu estava perto da Erica Awano, outra convidada, e uma moça perguntou pra gente, com os olhinhos brilhando: "Vocês vieram do Japão?". Como lá não tem muitos orientais e estávamos entre as atrações do evento (que tinha astros vindos do Japão, como o cantor Hironobu Kageyama), a pergunta foi até pertinente. Mas pra gente, sempre é divertido presenciar esse tipo de reação.
Eu já fui um garoto que ia em eventos de HQ para ver de perto ídolos os quais só conhecia o trabalho publicado. E alguns realmente foram muito gentis na hora de conversar. Hoje lembro com nostalgia contatos com Fernando Gonsalez, Franco de Rosa e outros que sempre me trataram com gentileza, tanto na minha época de "fanboy" quanto na fase profissional, sem distinção. E eu procuro, sempre que posso, agir assim com cada um que vem falar comigo pedindo uma dica ou orientação.
Enfim, a conclusão a que chego é que quem publica se torna uma pessoa pública, sendo conhecida por gente que não faz ideia de como somos fora do trabalho. Isso pode gerar, em alguns casos, reações de admiração e expectativa. Uma expectativa que pode ser quebrada, pois muitos não sabem separar o lado profissional do pessoal.
Um trabalho cheio de sensibilidade e reflexão não significa que seu autor seja uma pessoa amável ou sequer humilde. Mas é sempre bom quando aquele artista que admiramos mostra que é um cara legal, não importando se você é um jornalista que pode falar bem dele, um editor que pode passar serviço, um colega de trabalho ou simplesmente um fã que quer trocar ideias naquele momento, pois não sabe quando terá outra chance.
Saber tratar a todos com igualdade não faz de ninguém um profissional melhor, mas um ser humano melhor.