Um grande mito que se diz sobre o jornalismo é que ele deve ser imparcial, um testemunho da História. Mas isso nem sempre (ou quase nunca) funciona. Jornalista é um profissional de informação que deve ter uma boa bagagem cultural para colocar fatos no contexto e relatar acontecimentos com clareza e desenvoltura para que o cidadão possa se informar e formar suas opiniões sobre o mundo. Mas é impossível ser totalmente imparcial. A forma de se apresentar um relato, a ordem das citações, o uso de vírgulas, tudo pode ser interpretado à luz de fatos externos.
Querendo ou não, as opiniões transparecem no resultado final e é assim mesmo que funciona. Por isso é essencial o bom senso para ser um bom formador de opinião.
Querendo ou não, as opiniões transparecem no resultado final e é assim mesmo que funciona. Por isso é essencial o bom senso para ser um bom formador de opinião.
Porém, muitas vezes, o jornalista acaba servindo aos interesses políticos da empresa onde trabalha. E quase sempre, os interesses são econômicos. É a luta para se manter no mercado cada vez mais competitivo, rápido, e nivelado por baixo. Quando o Papa Bento XVI veio ao Brasil, os canais deram sua cobertura. Incluindo a Record, que serve à Igreja Universal do Reino de Deus. Curiosamente, no programa dominical da Record, disseram que "várias pessoas" foram ver a missa do Papa, enquanto a câmera mostrava uma dezena de fieis, focalizados num canto, fazendo parecer que era pouca gente no estádio do Pacaembu. Nada de tomadas aéreas como as que foram vistas em outros canais. No mesmo programa, mostraram a inauguração de um templo da Universal na África. Aí, não só usaram tomadas panorâmicas pra mostrar milhares de pessoas reunidas, como também usaram câmeras com lente grande angular, que cria uma ilusão de amplitude maior. Realmente, muito imparcial! E muitas vezes, a "imparcialidade" visa saciar a sede de audiência e de desgraças.
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Quando morreu a garota Isabella no caso que causou comoção nacional, havia aquela cobertura afoita e sensacionalista de todos os canais. Aí, um dia entrou no programa da Ana Maria Braga o repórter Cesar Tralli trazendo novidades sobre o caso. A apresentadora perguntou qual seria a programação das investigações naquele dia. Ao que o Tralli deu uma risadinha e disse: "Pô, mas se eu contar eu vou dar dica pra concorrência, né?" Já tinha virado circo a cobertura do triste caso.
No caso de outra criança foi brutalmente assassinada há alguns anos, o menino João Hélio, houve também uma comoção nacional e todos os canais, ávidos por novidades ou detalhes, só falavam disso. Num programa da Record, a apresentadora de então, a Patricia Maldonado, chamou uma materia sobre a morte horrível do garoto, que foi arrastado fora do carro. Quando a matéria acabou, entrou um close de rosto da apresentadora sorrindo e dizendo: "Agora vamos falar de um assunto bem divertido." Meu Deus, cadê a sensibilidade daquela mulher perante a locução de um crime hediondo que vitimou uma criança? A Luciana Liviero, da Record, é pródiga em abrir um largo sorriso depois de narrar uma morte. Britto Jr já vibrou ao anunciar imagens ES-PE-TA-CU-LA-RES de um acidente aéreo onde o piloto morreu. A audiência é tudo o que importa. Não só na Record, claro, que parece que estou sendo implicante. Aqueles que têm idade para isso, podem se lembrar de como a Rede Globo foi decisiva na eleição do presidente Fernando Collor em 1989, um dos maiores disparates da História recente do nosso país.
Chutando a ética e passando por cima da imparcialidade, a Globo ajudou a eleger Collor e só passou a noticiar os desmandos de seu governo quando a situação já começava a ficar feia. E depois ficou se vangloriando que ajudou a derrubar o Collor, denunciando irregularidades e despertando o povo para a cidadania. Tá bom...
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Apresentadores mais responsáveis mostram, pelo menos, um ar consternado ao final de uma matéria sobre uma morte violenta por respeito à família da vítima e então chamam um assunto mais neutro. Não se deveria esperar que o telespectador, após ver e ouvir fatos perturbadores ou trágicos, caia na gargalhada vendo pegadinhas ou coisas do gênero, sendo submetido a uma montanha-russa de imagens e fatos onde a vida não tem importância.
Existem bons jornalistas? Claro que sim e conheço vários jornalistas admiráveis. Para citar alguns mais famosos, Ricardo Boechat, Monica Waldvogel, Heródoto Barbeiro, Maria Lydia Flandoli e alguns outros conseguem manter (alguma) dignidade na grande mídia. Sou grande admirador também do genial Mino Carta, um feroz crítico da exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalista, uma vitória do lobby das faculdades de comunicação. Jornalismo exige cultura, espírito crítico, talento para a redação, capacidade de comunicação. E isso não necessariamente passa por uma formação acadêmica, mas isso é assunto para outra discussão.
O mundo hoje está rápido demais e a morte, não só para a maioria dos jornalistas, está demasiado banalizada. Falta ética, respeito e cidadania, exatamente por parte de quem se diz promotor de tais valores. Infelizmente.